Quando era criança
havia um prato especial que minha mãe fazia e que aguardava com entusiasmo.
Trata-se de uma carne assada na panela sem pressão. Lembro-me de vê-la virando
aquele pedaço de carne várias vezes. No final, após pronta, ela servia
acompanhada de arroz branco, feijão manteiga (fradinho) e alguma salada. Mas o
momento mágico desse prato era a hora de aproveitar o que restou de tempero e
sabor na panela. Mamãe despejava farinha d’água (farinha grossa de mandioca), misturava e estava pronta a farofa. Chego até a sentir
o cheiro dessa comidinha.
Como todos nós
gostávamos muito desse cardápio, mamãe caprichava e cada vez era especial.
Sempre nós comíamos toda a comida reservando, no final, um pequeno pedaço da
tal carne de panela para degustar com toda lentidão e esperar que não acabasse.
Certo dia eu havia deixado aquele mágico pedaço para o final e percebi que meu
irmão não deixara o dele e, quando eu menos esperava, ele pegou o meu pedaço
mágico e engoliu de vez. Não preciso dizer que o almoço naquele dia acabou em
briga e castigo. Minha mãe anunciava que
havia outras porções daquela iguaria maravilhosa, mas eu queria exatamente
aquela que me foi tirada, não havia acordo.
Eu estava determinado a aplicar justiça ao meu irmão. Hoje entendo que
havia um grande prato cheio a minha frente, era só terminar de comer o último
pedaço que mamãe oferecia mais um, mas eu queria a migalha que me foi tirada.
Fico pensando que muitas vezes Deus nos olha como
crianças agitadas de um lado para o outro.
Brigamos por migalhas quando Deus nos tem preparado um banquete
especial. Às vezes nos acotovelamos em troca de pequenas migalhas da fé cristã,
brigamos, lutamos etc.
A igreja em Corinto vivia essa crise
infantil. Suas criancices irritaram o
Apóstolo Paulo ao ponto dele escrever duas cartas a esses infantes. Em vez de focalizarem em Cristo e sua Causa, suas infantilidades
causavam divisões no Corpo de Cristo. Ainda
estavam no berçário da igreja em vez de avançar para a maioridade na vida
cristã, na semelhança a Cristo, na imagem de Deus, na maturidade da fé.
Eles brigavam por suas predileções. O texto 1 Co 3,1-9 representa o ponto alto da impaciência de Paulo
com a infantilidade da igreja. Esses bebês na fé não aguentavam comida
sólida. Não tinham estômago para doutrina. Eles queriam ser entretidos. Quando convidados para ir a uma “churrascaria
espiritual”, eles não conseguiam comer a picanha no alho, a maminha, o filet
mignon, a alcatra ou o cupim. Enquanto os outros estão se
deliciando com as profundidades de um banquete espiritual, eles pedem iogurte,
purê de mamão, banana amassada. Sua vida espiritual é
superficial e infantil. Além de tudo, quando se sentavam à mesa, acabavam brigando por migalhas. Fizeram
dos pregadores objetos de predileções e disputas. Não conseguiam discernir que
o corpo de Cristo, a igreja, não estava dividida, mas eles a estavam loteando
quando diziam: “Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo” (I
Coríntios 1:12).
Juan Carlos Ortiz, em seu livro “O Discípulo” conta como descobriu que
sua igreja era uma grande creche de bebês espirituais. Cristãos que nasceram de novo mas não cresciam
espiritualmente. É como se o Pastor chegasse a sua igreja com uma imensa
mamadeira, com uma grande luva em sua ponta e vários dedos e mandasse cada
membro de sua igreja sugar um dedo da luva para que se alimentasse. O escritor
de Hebreus chama esses cristãos de “crianças”. “Pois, com efeito, quando
devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente,
necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios
elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados de
leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é
inexperiente na palavra da justiça, porque é criança.” (Hebreus 5: 12, 13)
Tenho certeza
que Deus nos olha e vê nossas brigas e disputas por coisas como um pedaço de
carne assada na panela e apenas deduz: São crianças que brigam por bobagem
enquanto eu lhes ofereço um grande e suculento banquete. Mas preferem as
migalhas. “Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a
cabeça, Cristo” (Efésios 4:15).
Que
o Espírito Santo nos leve ao real crescimento.
Rev. Ary Sérgio Abreu Mota